- Companheiro de chapa de George W. Bush, republicano foi secretário de Defesa e defendeu políticas agressivas pós-11 de Setembro
- No ano passado, Cheney surpreendeu ao declarar apoio a Kamala Harris contra Trump
Robert D. McFadden
The New York Times
Dick Cheney, amplamente considerado o vice-presidente mais poderoso da história dos Estados Unidos, companheiro de chapa de George W. Bush em duas campanhas vitoriosas à Presidência e seu conselheiro mais influente na Casa Branca em uma era marcada por terrorismo, guerra e transformações econômicas, morreu nesta segunda-feira (3). Ele tinha 84 anos.
A causa da morte foram complicações de pneumonia e doenças cardíaca e vascular, segundo comunicado divulgado por sua família. Ele deixa a esposa, Lynne Ann Vincent, duas filhas e sete netos.
Acometido por problemas coronários durante quase toda a vida adulta, Cheney sofreu cinco ataques cardíacos entre 1978 e 2010. Desde 2001, usava um dispositivo para regular os batimentos cardíacos. Ainda assim, suas questões de saúde não pareciam afetar seu desempenho como vice-presidente. Em 2012, três anos após deixar o cargo, passou por um transplante de coração bem-sucedido e, desde então, mantinha-se razoavelmente ativo.
Mais recentemente, surpreendeu os americanos ao anunciar que votaria na vice-presidente democrata Kamala Harris nas eleições de 2024, chamando o atual presidente Donald Trump, então candidato republicano, de inapto para ocupar a Casa Branca e de grave ameaça à democracia americana.
"Temos o dever de colocar o país acima do partidarismo para defender nossa Constituição", declarou Cheney à época.
Como vice-presidente, Cheney foi uma figura singular -e mais poderoso do que qualquer outro na história moderna. Ex-deputado por dez anos, o mais jovem chefe de gabinete da Casa Branca da história, secretário de Defesa de 1989 a 1993, conselheiro de presidentes e parlamentares, Cheney possuía credenciais impecáveis, uma vasta rede de contatos e era mestre na arte de fazer as coisas acontecerem -de preferência, longe dos holofotes.
A trajetória de Cheney foi contada no filme "Vice" (2018), de Adam McKay. No longa, ele é vivido pelo ator Christian Bale, cuja caracterização foi elogiada pela crítica. Indicada a oito Oscars, inclusive de melhor filme, diretor e ator, a obra levou um, o de cabelo e maquiagem.
De personalidade enigmática e reservada, não tinha paciência para conversas triviais, raramente falava de si mesmo e quase nunca concedia entrevistas ou realizava entrevista coletivas -embora às vezes aparecesse na televisão para defender políticas do governo. Preferia os bastidores aos refletores.
Um insider político consumado, Cheney foi arquiteto e executor das principais iniciativas do governo Bush: o uso do poder militar para promover a democracia no exterior, a defesa de cortes de impostos e de uma economia forte internamente, e o fortalecimento dos poderes presidenciais -que, segundo ele e Bush, haviam sido indevidamente restringidos pelo Congresso e pelos tribunais após a Guerra do Vietnã e o escândalo de Watergate.
Como o conselheiro mais confiável e influente do presidente, Cheney atuava livremente nas áreas de política externa e doméstica. Funcionava como uma espécie de "superministro" com um portfólio ilimitado, usando sua autoridade para defender a guerra, propor ou barrar legislações, recomendar candidatos à Suprema Corte, influenciar cortes de impostos, promover aliados e neutralizar adversários.
Mas foi na área de segurança nacional que teve seu impacto mais profundo. Como secretário de Defesa, ajudou a conduzir a Guerra do Golfo, que expulsou com sucesso os invasores iraquianos do Kuwait em 1991, e, uma década depois, desempenhou um papel central na resposta aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.
Para prevenir novos atentados, defendeu políticas agressivas, incluindo espionagem sem mandado judicial, detenções por tempo indeterminado e técnicas de interrogatório brutais. Também foi um dos principais defensores da invasão do Iraque em 2003, para derrubar Saddam Hussein -completando, segundo ele, o "trabalho inacabado" de sua gestão anterior, mas dando início a anos de guerra sangrenta.
No início do primeiro mandato de Bush, muitos democratas -e até alguns republicanos- se perguntavam se Dick Cheney não seria o verdadeiro detentor do poder na Casa Branca, ocupada por um presidente inexperiente, cuja qualificação havia sido questionada. Embora Bush tenha eventualmente afirmado sua autoridade e a influência de Cheney tenha diminuído no segundo mandato, a imagem dele como um "patriarca maquiavélico" nunca foi totalmente dissipada.
O próprio Bush se preocupava com essa percepção, como relatou em seu livro de memórias, "Decision Points" (Momento Decisivos), de 2010. Ele escreveu que Cheney chegou a oferecer-se para deixar a chapa nas eleições presidenciais de 2004, por ter se tornado "o Darth Vader do governo". Bush considerou a proposta, ciente de que aceitá-la "seria uma maneira de demonstrar que eu estava no comando". No entanto, acabou mantendo seu companheiro de chapa, dizendo que valorizava a constância e a amizade do vice-presidente.
De fato, nunca houve dúvidas sobre sua firmeza.
Em 11 de setembro de 2001, quando aviões sequestrados destruíram o World Trade Center em Nova York e atingiram o Pentágono e um campo na Pensilvânia -matando quase 3.000 pessoas no pior ataque terrorista da história do país-, foi Cheney quem assumiu o comando na Casa Branca.
Enquanto Bush, que visitava uma escola na Flórida, era levado a locais seguros na Louisiana e em Nebraska, o vice-presidente ativou medidas de Defesa em todo o país, colocou as Forças Armadas em alerta global, ordenou a evacuação do Capitólio e a retirada de líderes do governo para locais seguros. De um bunker na Casa Branca, manteve contato constante com o presidente e outros altos funcionários, demonstrando firmeza e controle durante a crise.
No período seguinte, Cheney se tornou o estrategista por trás da rápida expansão dos poderes presidenciais para combater o terrorismo e o principal defensor da doutrina Bush: a de que nações e regimes seriam classificados como aliados ou inimigos dos Estados Unidos na nova era do terror, e de que ações militares preventivas seriam tomadas contra qualquer um que representasse uma ameaça à segurança do país.
Um líder em tempo de guerra
Seis semanas após os ataques, o Cheney ajudou a orquestrar uma rápida e esmagadora aprovação do USA Patriot Act, uma lei abrangente que expandiu significativamente os poderes do governo em investigação, vigilância e detenção para combater o terrorismo. Com a nação ferida ainda enfurecida pelo 11 de Setembro, a oposição pública à lei foi contida, embora defensores das liberdades civis alertassem que ela autorizava o governo a espionar cidadãos comuns americanos.
Mais tarde, ficou claro que a lei estava sendo usada para fundamentar tribunais secretos, escutas telefônicas sem mandados, a detenção ilimitada de suspeitos sem audiências ou acusações, e métodos de interrogatório que contornavam as proibições de tortura das Convenções de Genebra. Houve amplos protestos e até mesmo contestações constitucionais. Mas Cheney defendeu fortemente a lei e sua expansão do poder presidencial, e ela permaneceu em vigor.
Cheney também influenciou fortemente a decisão de Bush de invadir o Afeganistão para caçar Osama bin Laden, o líder da Al Qaeda que arquitetou o 11 de Setembro, e para suprimir um regime talibã fanático que havia abrigado terroristas e imposto uma teocracia brutal ao povo afegão.
Foi Cheney a voz dominante por trás da decisão de Bush de invadir o Iraque em 2003 e depois justificar a guerra. Ele insistiu que o ditador do Iraque, Saddam Hussein, tinha ligações com terroristas da Al Qaeda, possuía armas de destruição em massa e ameaçaria os EUA e seus aliados com chantagem nuclear.
O que começou como uma operação de combate de um mês no Iraque deu lugar a uma ocupação de quase nove anos, uma luta contra insurgentes iraquianos e uma guerra interna que custaria quase 4.500 vidas americanas e mais de US$ 2 trilhões (R$ 10,7 trilhões), segundo algumas estimativas.
Os contornos de uma enorme falha de inteligência começaram a emergir. A comissão do 11 de Setembro, um painel independente encarregado de investigar os ataques de 2001, não encontrou evidências de colaboração entre o Iraque e a Al Qaeda, e o inspetor-chefe de armas da CIA, um nomeado da Casa Branca, concluiu que o Iraque não tinha estoques de armas biológicas, químicas ou nucleares.
Um mês antes de deixar o cargo, Cheney adotou um tom sem arrependimentos em entrevistas de despedida, insistindo que os historiadores acabariam por olhar favoravelmente para os esforços dao governo em manter a nação segura.
Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2025/11/morre-dick-cheney-ex-vice-presidente-de-bush-e-arquiteto-da-guerra-ao-terror-aos-84-anos.shtml





